Manoel Apolônio de Carvalho, conhecido como Nel, considera-se realizado por ver tanta gente no sertão tendo água para beber.
“Só quem passou sede como eu sabe o que é isso”, diz esse nordestino de 76 anos de idade, migrante aos 17 anos. “Eu era um rapazinho, fui para São Paulo só para ganhar a vida.”
Depois de seis meses trabalhando na capital paulista como pedreiro, aprendeu a técnica de construir piscinas, voltou para o Nordeste, e aplicou o mesmo princípio para fazer reservatórios de água, que ficaram famosos com o nome de cisterna de placas.
A filha dele, Eliângela Carvalho, jornalista em Simão Dias (Sergipe), intermediadora desta entrevista via email, é só elogios: “Meu pai, além de ser uma excelente pessoa, otimista, alegre, trabalhador, é um pai maravilhoso é um autodidata incrível. Ele aprendeu a ler e escrever sozinho. Sabe matemática e física como ninguém”.
Como surgiu a ideia da cisterna de placas?
Nel - Em 1955 fui para São Paulo, trabalhei na construção de piscinas, onde aprendi a utilizar placas de cimento pré-moldadas. Com seis meses, pensei “vou embora e vou ganhar a vida fazendo obra para guardar água”. Fui para a região de Jeremoabo, na Bahia, e construí as primeiras cisternas de graça para alguns agricultores. Fui chamado de louco várias vezes, mas quando começou a chover e as cisternas encheram, aquelas famílias passaram a ter fartura de água. Aí passei a cobrar pelo serviço, mas ganhava muito pouco, porque o povo da região era muito pobre, e às vezes não tinha o dinheiro nem para comprar o material. Em 1965, um comerciante da cidade de Simão Dias (SE) me contratou para fazer uma cisterna na casa dele. Em pouco tempo, até os bancos da cidade financiavam a construção da cisterna. Foi de Simão Dias, onde passei a morar, que a ideia se proliferou pelo Brasil afora.
O senhor imaginava que a cisterna de placas ganharia tal dimensão?
Nel - Sonhava, é claro, que um dia muita gente do Nordeste pudesse ter uma cisterna na sua casa, mas nunca imaginava que a minha ideia ganhasse o Brasil todo, nem muito menos que eu iria ver muita gente sendo beneficiada.
O senhor se sente reconhecido pelo seu invento?
Nel - Se, por um lado é bom saber que milhões de pessoas estão sendo beneficiadas, por outro é triste saber que tomaram o meu meio de sustento, pois à medida que o projeto ganhou repercussão nacional, também deixei de ser contratado para trabalhar.
O senhor criou uma nova técnica de construir cisternas, que diz ser mais barata e tão segura como a antiga?
Nel - Inventei sim, já faz 14 anos. É muito mais rápida para construir, muito mais barata, e muito mais segura. Já fiz várias cisternas desse tipo. A nova técnica dispensa mão de obra qualificada, mas os macetes, isto é, o pulo do gato, por enquanto é segredo.
(Plínio Bortolotti - plinio@opovo.com.br)
Fonte: Jornal de Hoje